sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Melville, Jonas e o Evangelho

Vou começar com alguns fatos que aconteceram comigo nesses últimos tempos:

1. No mês passado comecei a velejar com um tio meu na Baia de Guanabara. Só quem pratica a vela sabe a sensação de cavalgar o vento que essa atividade proporciona. Em uma bela tarde de sábado pegamos o barco, montamos o mastro, içamos as vela e fomos para a água. Estávamos indo bem até que, por uma "mudança nos ventos", os dois velejadores inexperientes foram para a água, junto com todo o material de dentro do barco.

2. Na semana passada senti no coração de ligar pra casa de uma grande amiga minha dos tempos de oitava série e fazer uma surpresa. Não nos víamos a 9 anos. Agora ela está trabalhando na Marinha Mercante. Conversamos sobre nossas tão diferentes experiências com o mar.

3. Envolvido assim com os assuntos náuticos e com os tempos nostálgico de Colégio Militar, lembrei de um livro que tinha lido e gostado muito quando estava na escola. Decidi passar em uma livraria e comprar uma edição mais completa de Moby Dick, de Herman Melville.

Passemos agora àquilo que realmente quero dizer hoje.

O capítulo IX do livro de Herman Melville se chama "O Sermão". Ele trata exatamente das palavras que o padre Mapple trouxe aos fieis da cidade de New Bedford no domingo que antecedia a partida para o oceano. Alguns pontos da mensagem me chamaram atenção e o conjunto dela me pareceu um dos melhores sermões sobre Jonas que já li.
Em um certo momento do sermão o padre Mapple levanta a discussão sobre a localização da cidade de Társis, para onde Jonas fugiu, tentando se esconder da presença de Deus (Jonas 1: 3). A discussão acerca da localização de Társis realmente tem ocupado diversos estudiosos e ultrapassa a barreira da ficção. Embora não se tenha chegado a uma conclusão definitiva, podemos considerar a hipótese de que a cidade chamada "Tarshish", no grego da Septuaginta, e citada no livro de Jonas e 1 Reis, seja a atual cidade de Cádis, que se localiza a oeste do estreito de Gibraltar e que foi o lar dos Tarcetos, considerados pelos gregos a primeira civilização do Ocidente. Assim, a jornada de Jonas constituia-se em nada mais nada menos do que atravessar todo o mundo conhecido, saindo de Jope, na Síria e chegando a Társis, na Espanha. O barco de Jonas deveria cruzar todo o Mar Mediterrâneo, de leste a oeste, do oriente para o ocidente. Agora, observe o trecho bíblico: "Porém, Jonas se levantou para fugir da presença do SENHOR para Társis. E descendo a Jope, achou um navio que ia para Társis; pagou, pois, a sua passagem, e desceu para dentro dele, para ir com eles para Társis, para longe da presença do SENHOR". Assim Herman descreve o plano de Jonas: "Apesar de haver já desobedecido, Jonas escarnece ainda de Deus, tentando fugir-lhe. Pensa que um barco construído pelos homens o poderá conduzir a países onde Deus não reine, mas sim capitães deste mundo".
Esse foi um ponto que chamou minha atenção, mas ao longo do capítulo o padre Mapple, continou a me surpreender com suas conjecturas e com a forma teatralizada pela qual descreve o episódio de Jonas e o Grande Peixe. Uma análise bastante realista e profunda. O sermão termina com o seguinte trecho: "Esta, companheiros, esta é a outra lição; e ai do piloto do Deus vivo que procurar fugir dela. Ai daquele a quem os encantos deste mundo desvie do cumprimento do Evangelho! Ai daquele que procure derramar óleo sobre as águas quando Deus as agitar com tempestade! Ai daquele que procura antes se agradar do que se atemorizar! Ai daquele para quem a boa reputação signifique mais do que a bondade! Ai daquele que, no mundo, galanteia a desonra! Ai daquele que nega a verdade, procurando encontrar na falsidade salvação! Sim, ai daquele que, como afirma o grande apóstolo Paulo, enquanto prega aos outros é ele próprio um réprobo!"

Isso me fez pensar em uma série de outras coisas. Chego agora ao ponto central do meu próprio texto:

Na última quarta-feira participei do primeiro dia de uma série de encontros na igreja nos quais discutiremos o tema "Milagres de Jesus". Durante essa reunião conversávamos sobre como os milagres têm ocupado uma posição central no evangelho dos nossos dias, quando na verdade o que era primordial era o testemunho da presença do Messias, do Redentor, do Filho de Deus entre uma nação de incrédulos. De nada adiantaria a realização de milagres se Cristo não morresse e ressucitasse no terceiro dia, levando sobre si os nossos pecados.

Da mesma maneira, pensei que de nada adiantaria à Melville que ele escrevesse um sermão tão exato sobre o episódio de Jonas se ele mesmo não entregasse sua alma ao Deus de Jonas, se ele próprio se revelasse um "réprobo", visto que Herman era adepto do transcendentalismo, um grupo de novas idéias na literatura, religião, cultura e filosofia que prega a existência de um estado espiritual ideal que "transcende" do físico e o empírico somente perceptivo por meio de uma sábia consciência intuitiva (para saber mais sobre o transcendentalismo e as contradições que essa corrente apresenta com o cristianismo visite o site do verbete na wikipedia clicando aqui).

Tenho certeza que muitos de vós leitores conhecem o filme "Deixados para trás". Nesse filme aparece um pastor em uma situação parecida com a da Melville. Um homem que tinha o dom da palavra. Esinava as pessoas a andar no caminho certo, mas ele mesmo era incrédulo e no momento do arrebatamento da igreja foi um dos que foi deixado para trás.

Por fim, o ponto é que de nada nos adianta realizar maravilhas ou possuir os mais diversos e magníficos dons, ou ainda ser possuidor de inúmeras obras de caridade, se não tivermos aquilo que realmente é necessário, estaremos perdidos.

"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.

E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.

E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria."

(1 Coríntios 13: 1-3)

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